terça-feira, 13 de novembro de 2007

Os Descaminhos dos Direitos Autorais

Desde o início da década de 90, os direitos de propriedade intelectual – em seus dois grandes ramos, a propriedade industrial (patentes e marcas) e os direitos autorais (direito de autor e direitos conexos) - passaram a fazer parte dos principais acordos multilaterais de comércio.

A razão para tal fato vem do grande salto tecnológico ocorrido nas últimas décadas do séculos XX, tornando os bens intelectuais um ativo de grande relevância nas trocas comerciais e revestido de uma importância estratégica para as políticas publicas de todos os países.


No que diz respeito aos direitos autorais, o advento da tecnologia digital e da Internet proporcionou facilidades antes inimagináveis. Além da reprodução de obras com a obtenção de cópias de alta qualidade, tornou possível a distribuição de obras protegidas numa escala planetária, criando sérias dificuldades para o controle da circulação das obras. Ao mesmo tempo em que abriu formidáveis perspectivas para a difusão da cultura, da informação e da tecnologia, criou um terreno fértil para a disseminação da reprodução não autorizada.


Nesse contexto, o surgimento do Acordo TRIPS – Acordo sobre Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (1994), anexo do acordo constitutivo da Organização Mundial do Comércio - OMC, aparece como um grande divisor de águas. Desde então, a propriedade intelectual tem sido matéria constante em qualquer acordo de livre comércio. Assim foi na ALCA, no Mercosul e nas negociações com a União Européia.


Antes do Acordo TRIPS já existiam convenções internacionais de direito privado, com destaque para a Convenção de Berna (para os direitos de autor) e a Convenção de Roma (para os direitos conexos). Ambas já incluíam o compromisso das partes signatárias de garantir aos estrangeiros titulares de direitos em um dado país o mesmo tratamento dado aos titulares de direito nacionais do próprio país – a chamada “cláusula de tratamento nacional”. Porém, com a passagem desse dispositivo para o plano do direito comercial internacional, tal compromisso passou a prever obrigações para a observância dos direitos, podendo ser objeto de mecanismos de solução de controvérsias, inclusive com possibilidade da imposição de severas sanções no comércio internacional.


O impacto econômico da legislação sobre direito de autor se concentra em grande medida no resultado das chamadas indústrias de direito de autor, que produzem/distribuem bens ou prestam serviços protegidos pelos direitos autorais. Estas indústrias incluem uma grande variedade de produtos: são livros, periódicos, fonogramas, obras audiovisuais, bases de dados, programas e jogos para computadores. Estudos vêm comprovando que estes setores produtivos vêm adquirindo uma participação cada vez mais importante dentro das economias nacionais.

De acordo com o relatório da IIPA – International Intellectual Property Alliance, em 2006 as chamadas indústrias de Copyright responderam por 6,56% do PIB norte-americano, agregando cerca de 819,97 bilhões de dólares. Uma participação superior ao de diversos outros ramos da economia, se tomados isoladamente (tal como a indústria de alimentos, a de eletro-eletrônicos, a indústria química e a de equipamentos industriais).


O Brasil também já possui dados preliminares, graças a um estudo patrocinado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual, em atendimento a solicitação da CDA/ MinC e realizado pela UNICAMP/GEOPI no ano 2000. Tendo como objeto os países dos Mercosul mais o Chile, os dados obtidos confirmam a tendência já detectada nos estudos acima citados. No caso brasileiro, as indústrias de Direito de Autor agregaram no ano de 1998 parcela equivalente a 6,74% ao PIB e respondendo por 5% do pessoal ocupado.


Outro aspecto relevante foi a confirmação do que já presumíamos: nossos países são fundamentalmente importadores de bens culturais. A importação de bens protegidos por direito de autor somou, no mesmo período, cerca de 1,3 bilhões de dólares, contra apenas 450 milhões das exportações (com uma ligeira tendência de crescimento desta última).

Observa-se um movimento crescente – tanto nos países desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento – no sentido de modificarem suas estruturas internas na área autoral para se adequarem às exigências impostas pela convergência tecnológica com vista a globalização da informação.

A situação no Brasil nesta área é preocupante, na medida em que o Executivo não possui mecanismos efetivos de ação na área autoral.

Há, no âmbito do Ministério da Cultura, uma Coordenação-Geral de Direito Autoral, subordinada à Secretaria de Políticas Culturais do MinC, que possui uma estrutura tímida e limitada e que não tem como dar conta das demandas, cada vez mais freqüentes e urgentes, na área de direito autoral. No que pese o esforço empreendido pela gestão do Ministro Gilberto Gil.

Após a desativação do Conselho Nacional de Direito Autoral - CNDA, em março de 1990, a formulação de políticas públicas para área dos direitos autorais ficou consideravelmente prejudicada. Predominou desde então uma equivocada concepção que vê os direitos autorais como objeto de interesse essencialmente privado, não cabendo ao Estado nenhum tipo de ação ou tutela.

Essa concepção vai de encontro à tendência internacional onde, conforme salientamos, dado o impacto econômico da tecnologia digital o tema se deslocou do âmbito de direito internacional privado para o direito comercial internacional, gerando obrigações adicionais que os Estados devem observar.

A ausência de instrumentos que possibilitem a formulação e implementação de políticas públicas nessa matéria significa abdicar de sua inclusão numa estratégia global de desenvolvimento econômico, tecnológico e cultural. As conseqüências dessa lacuna poderá ser o agravamento da irremediável dos mecanismos de dependência externa, sobretudo, no que se refere às novas tecnologias, bens e serviços no âmbito da indústria cultural.

A proteção ao direito autoral no limite da legislação nacional é a primeira condição a se observar para criar as condições que permitirão aos autores nacionais obter um benefício da utilização de suas obras e, portanto, consagrar todos os seus esforços para a criação de obras literárias ou artísticas. A proteção dos direitos patrimoniais e morais devem estimular os autores a contribuir para uma maior difusão possível das obras dentro da ótica do progresso artístico e tecnológico.

É necessário, pois, ocupar este grande espaço em matéria de modernização e adaptação das legislações nacionais e das instituições de gestão governamental de direito autoral no Brasil. A redefinição dos aspectos relacionados com a tutela administrativa dos direitos autorais permitirá a retomada desse processo, estabelecendo os limites exigidos para a atuação do Estado na área autoral e sua presença ativa na formulação das estratégias de desenvolvimento do país.

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